sábado, 5 de janeiro de 2013

É carnaval do lado de cá!

A noite demorara a ir embora naquele dia, já passava das seis da manhã.A lua insistia em manter-se firme no céu, tornando o amanhecer mais belo. Se por um lado a lua estava vibrante,  a minha direita já era possível perceber os primeiros raios de sol anunciando mais um dia.

Desci da cama, calcei os chinelos, ajeitei a cueca e fui ao banheiro. Aquela olhada no espelho, o tapa no rosto, a água para acordar. A urina saia suave sem deixar os rastros na tampa ou no chão. Os dentes bem escovados me indicavam a necessidade de procurar algo para comer. Opa! não posso esquecer o remédio do estômago, senão a hérnia de hiato me fará lembrar o dia inteiro do quanto não cuidei da alimentação em toda a vida.

No caminho até a padaria dava para perceber a aura diferente que envolvia as primeiras pessoas que via naquele dia. Muitos ainda com roupas que denunciavam por onde andaram e o que fizeram - o cheiro de álcool ia longe!
A banca de jornais exibia as principais manchetes: engarrafamentos; ruas lotadas; banheiros químicos não deram vazão. Era o carnaval.
Carnaval, a festa da carne, profana, adorada e idolatrada por muitos e rejeitada e estigmatizada por tantos. enfim, simplesmente carnaval. As escolas iriam desfilar, as mulatas iam ainda dançar, o povo sorrir, pular, cantar, namorar, ser feliz e eu, ia comprar pão e desfilar no bloco do eu sozinho.

Comprado o pão, o jornal e a mortadela, voltei para casa com passos acelerados a fim de aproveitar o quentinho do matinal alimento. Café passado no coador, fresquinho, manteiga derretendo no pão, tv ligada baixinha na reprise do futebol e...o telefone toca! Uma, duas, três vezes. Atendi de mau humor, afinal a engrenagem do universo estava sendo obstruída por aquele toque indesejável.

-Alô!
-Felipe?
-Não, Bento XVI, respondi de pronto.
-Claro que sou eu, idiota! Ligou para minha casa, quem poderia atender, tua mulher?
-Grosso! A voz disse, em tom fúnebre.
-Fala logo, Piolho!
- Tu vai fazer o que nesse carnaval?
-Ficar em casa ouvindo rock, trancado para não me contaminar!
-Porra, vamos viajar para Trindade, em Paraty?
- Quem vai?
- Uma galera.
-Que galera?
-Pastel, Dadá, Tadeu, Paulão. Vai ser show!!!
-Porra, sei não. Muita gente, e ainda devem ir os agregados de todo mundo.
-Foda-se, vamos logo, porra!
-Quando?
-Agora.

Naquele instante pensei: que merda estou fazendo!
Mas ainda assim, decidi arrumar apressadamente uma mala e parti.

Pois bem, menos de uma hora após o fatídico telefonema, estava com a trupe prontos para zarpar naquela intrépida, imoral, venial e bestial, aventura.
Meu carro tem um nome bem sugestivo, caveirinha, herdado da época em que frequentava uma capela no alto de um morro, onde o caveirão da polícia militar era meu principal companheiro. E lá fomos nós, guerreiros no caveirinha. Guerreiros mesmo, pois nem ao menos o nível do óleo verifiquei antes de enfrentar os mais de 250 quilômetros que separavam nossas casas de Trindade. Abastecemos e logo em seguida começaram as emoções.

Paulão, no auge de seus 140 Kg espalhados por 1,90 de altura, àquele instante punha sua mão para fora repetindo um movimento ondular como se fosse uma criança inocente descobrindo a força da gravidade.  O carro andava e lá estava Paulão com sua mão para fora do carro. Aquilo ia me irritando de tal maneira que em dado momento olhei para ele e disse: "tá" gostando, Paulão? De bate pronto me responde, com a sinceridade de um frei franciscano: - Responsa!
Todos no carro riram da resposta cretina e da minha cara. Mas a viagem prosseguia sem maiores problemas.

Ao pegarmos a Estrada Rio-Santos íamos a uma velocidade bem razoável, acreditando que faríamos o trajeto num tempo bom e assim, aproveitaríamos ao máximo as belezas do lugar. Mas nem tudo são flores, sobretudo, quando o Piolho é um dos presentes. Do outro carro veio um telefonema, era o Pastel pedindo ao Piolhão que tocasse seu carro, pois não estava acostumado com a estrada e ficara com medo de provocar quaisquer acidente. Muito prudente este rapaz. E assim foi feito. Piolho passou para o outro carro e em troca recebi um exemplar de uma espécie em extinção, um Australopitecos, direto do morro da Pedreira, chamado Nicky. O cara é feio, mas tão feio, que quando nasceu o médico quis logo mostrá-lo à mãe, ainda sob efeito da anestesia, pois temia que ela achasse que o menino era fruto de um erro médico.
Uma coisa é verdade, seus pais são muito fortes, pois para registrar e criar aquilo, era preciso força e coragem. Imagino o bullyng sofrido por ele.

Com o Nicky em nosso carro, a viagem prosseguia. Chegamos em Angra dos Reis, após mais de 2 horas de viagem e os mais afoitos pediram para parar e fazer um lanche. Somos um grupo democrático e assim foi feito. Paramos em uma padaria e tivemos de fazer uma reflexão acerca daquela situação: as coisas eram verdadeiramente caras ou éramos extremamento duros? Um pouco das duas coisas, eu acho. Inclusive, acho que somos mais duros do que qualquer outra coisa. Mas, enfim, estávamos ali para lanchar e assim foi feito. Pães, muitos pães e bastante mortadela, que meus tímpanos ouviam a todo instante "mortandela"; coca-cola e muitos arrotos colossais. Assim foi por uns 15 minutos: Pão, "mortandela", coca-cola e arrotos.

O caçula da trupe, no auge de seus 10 anos, comeu como gente grande, mesmo sob o protesto de seu pai que dizia:
-Nícolas, você vai passar mal!
-Não Phai, "tá" "tuto" pem"!
-Então, tá! Se você está dizendo, vou confiar.
-"Faleu" Pai, "ti amu"!

Retomamos a viagem e menos de 20 minutos depois o Piolho pisca o farol a fim de me pedir para parar. Pensei logo, aconteceu alguma merda.
Mas não era, a galera queria fazer uma mijada coletiva. 9 homens parados as margens da uma rodovia federal, perfilados com seus membros em punho e aquela cachoeira no acostamento. Foi inevitável fugir das gozações habituais:
- Mijão, filho da puta! Vai cambada de viado! Vai mijar no cú da mãe!
Foram tantos os impropérios, que se for coloca-los aqui duraria mais umas duas semanas a narrativa de nossa viagem.

Voltamos à estrada e alguns quilômetros a frente uma nova piscada de farol. Pensei: Mijar de novo?
Dessa vez não era isso. Era o pão com mortadela fazendo efeito nas curvas da estrada de Santos. O Nicolas não perdoou e largou um jato de vômito dentro do carro. Eram cinco ocupantes e adivinha quem foi o contemplado? Piolho, o rei de todos os sortilégios, o maior azarado que conheci. Levou uma golfada de um pré-adolescente e saiu do carro bradando:
- Te odeio, seu filho da puta!
Enquanto o restante do pessoal não parava de rir da ridícula situação.
-Arrombado, filho de uma égua, lazarento, desgraçado, te pai é viado....
Piolho não parava de dizer gracejos ao mancebo e seu pai constrangido tentava apaziguar as coisas.
-Calma, Piolho. Calma é o caralho, não foi você o "vomitado"! e quanto mais o Piolho se emputecia, mais a gente ria.
Carro menos fedido, paz voltando a reinar e lá fomos nós para a estrada. Antes de chegar ao destino, paramos para comprar um remédio de enjoo para o garoto. De nada adiantou. Na descida da serra, quando o vai e vem do carro causa náuseas até nos mais experientes, voltam a piscar os faróis do carro dirigido por Piolho. Todos parados novamente. O que houve, dessa vez? Perguntei.
O filho da puta conseguiu vomitar nos meus óculos! Piolho agraciado mais uma vez. Clima quente. Filho da puta, tomara que você morra!
Que isso?! Pare de desejar o mal para o meu filho, disse o Dadá. Morre junto, então.
Os carros passavam e viam aquela cena grotesca e as risadas eram inevitáveis. Até que o Piolho ficou muito puto e resolveu dar uma mijada para se acalmar. Mas tomado pelo ódio não viu que seu zíper não estava totalmente aberto e conseguiu o que ninguém imaginava. Mijou nas calças. Pobre Piolho, mijado e vomitado. O que mais lhe esperaria.

Mais quinze minutos e praia. Todos acomodados e com a certeza de que nada mais daria errado. Sol, cerveja gelada, mulheres bonitas. Nada mais perfeito. Só uma coisa nos inquietava: o preço de tudo. Uma garrafa de água R$6,00. Racionamento era nosso lema. Começamos a fazer amizade com as pessoas e da maneira mais sorrateira possível pedíamos um gole de água, de refrigerante, de cerveja, beliscávamos a comida e assim íamos nos virando.

O Paulão, dotado de uma enorme capacidade de se apaixonar, partiu logo para o ataque sobre uma desavisada garçonete.
- Ai, já te falaram que você é uma gatinha?
- Qual o seu pedido, senhor?
-Você! Disse o galanteador cliente.
- "A gente podemos" sair mais tarde?
- Qual o seu pedido, senho?
- Um beijinho, uma chupetinha, qualquer coisa que venha de você!
-Não posso lhe atender dessa forma, senhor!
-Então, me dá uma água e um beijinho no cangote. Insistia.

Resistente aos encantos do Paulão, a garçonete trouxe sua água e ele perguntou o preço.
-R$6,00
-Eu pedi uma água só, e não uma caixa.
-Me fudi, disse-lhe Paulão.
-Pois é, senhor. Este é o preço mesmo.
-A esse preço, não mereço um beijo?
-Não! Com licença.

Na praia, os jovens gastavam suas energias jogando futebol na areia e enchiam o saco de outros banhistas com a bola que insistia em acertar tudo e todos.
Desculpa, foi mal! Era o que mais se ouvia.

Piolho, após o choque da viagem, procuravam ficar quieto, longe de confusões, mas bastou a bola ir para perto dele que as coisas começaram a ficar ruins. De chinelos na areia, foi chutar a bola, quando estes grudaram no chão, fazendo-o tropeçar e cair de sua própria altura para delírio dos presentes.
-Caralho, muito lerdo! Disse um mais afobado.
Pobre Piolho, lerdo e azarado.

A hora do almoço foi aquele banzé, muita fome, preços altos e pouca grana. Conclusão: mais confusão a vista.
O que nossa grana dava para bancar eram os pratos feitos vendidos a R$12,00, sem refrigerante. Éramos 9, pedíamos 5 pratos e dividíamos para todo mundo comer. Só que a divisão nem sempre era amistosa. Então Paulão foi o encarregado de botar ordem na bodega. O silêncio reinou. Em meio ao almoço começaram os falatórios sobre a vida dos outros, o que é normal em qualquer círculo social. Então lembraram de um negrão que vivia próximo que certa vez perguntou:
- Se uma mulher engolir esperma, ela pode engravidar?
Todo mundo riu e então perguntei porque isso não era possível.
-Porque se ela engoliu ela vai mijar ou cagar, porra!
-Porque na garganta não tem líquido menstrual.
Então desisti, e voltei a comer.

Pagamos a conta e fomos para o Camping. Deitamos e tiramos uma soneca. O menino vômito deixou um pino de bola entrar em seu ouvido e mais uma vez foi o centro das atenções. Piolho não se fez de rogado. -Deixa ele se fuder!
Quanto ódio havia no coração desse homem, por causa dos vômitos ainda.
Anoiteceu. Começamos a nos arrumar para pular carnaval na praia. Paulão sem lanterna solta essa: - Alumia  aqui, que não estou vendo! Ninguém se conteve!

Todos na praia, bebendo, pulando, cantarolando e NIcky, nosso companheiro pré-histórico, consegue arrumar uma mulher que o leva para longe de nós. Todos abismados pensaram tratar-se de alguma bióloga querendo estudar uma espécie rara. Em seguida volta o garoto com os olhos arregalados e todo mundo pergunta: e ai, comeu?
Com sua voz fanha e nasalizada, responde: Não, tá maluco!
-O Paiê, a mulher me levou para o mato e agachou, fez xixi e eu que não sou bobo sai correndo para a praia. Sou sinistro, não é?
Quase levou uma porrada de todo mundo, para deixar de ser otário.

Mas o melhor da noite estava por vir. Dadá, grande pé de valsa, conseguiu trazer uma bela argentina para perto de nós, com sua técnica de dançarino. Paulão deu uma de Carlinhos de Jesus e foi ensinar a mulher......ponto de macumba. Todos rindo a valer.

Bem, nem todos os episódios do carnaval cabem aqui, pois é muita coisa para compilar num curto espaço, mas saibam que do lado de cá do Cristo há um carnaval bem diferente e bem alegre também. 

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